Monstros Errantes

Acho que a memória mais antiga que eu tenho é da minha festa de aniversário de onze anos de idade. Foi a minha última festa de aniversário. E também foi o meu último aniversário que eu comemorei com meus pais juntos, pois três meses depois eles se divorciariam. Depois disso, deixei de fazer festa de aniversário. De alguma forma, não fazia mais sentido – se é que em algum momento fez. Mas essa de onze anos foi especial para mim, e talvez por isso eu ainda me lembre dela.

Lembro especialmente do presente que minha mãe me deu. Uma das coisas que eu mais gostava (e ainda gosto) era de jogos de tabuleiros. Meu quarto era lotado deles; Detetive, Jogo da Vida, Banco Imobiliário, War. Ainda guardo todos eles com muito carinho. E naquele ano eu esperava ganhar mais um jogo de tabuleiro, e foi justamente o que eu ganhei, mas aquele jogo em si era diferente de todos os outros que eu já tinha visto até então. A começar pelo nome, Hero Quest.

Me encantei logo de cara pelo jogo. Principalmente por causa da caixa. Ela era enorme, e trazia uma ilustração bem legal, de um bárbaro no melhor estilo Conan, ao lado de um mago e um anão, lutando contra uma horda de monstros; orcs, zumbis, múmias, esqueletos, tinha de tudo um pouco lá. Aquela ilustração da capa me fascinou principalmente porque eu tinha acabado de ler o primeiro volume de O Senhor dos Anéis, e estava bem empolgado com esse negócio todo de fantasia medieval.

Mas a surpresa maior foi quando eu abri a caixa e me deparei com aquele tabuleiro e aquele monte de miniaturas. Tinha de tudo; mesas, cadeiras, portas, armários, túmulos, e até mesmo instrumentos de tortura, tudo que você precisa pra montar uma dungeon em miniatura. Eu não via a hora de jogar aquilo.

Então deixei a festa de lado, me tranquei no quarto com meus amigos, e enquanto eles montavam as miniaturas, eu comecei a ler o manual de instrução. Logo que comecei a ler o manual, estranhei uma coisa. Nele dizia que para jogar, era preciso que um dos jogadores fosse o mestre de jogo, que iria narrar a história e controlar todos os monstros, enquanto os outros jogadores assumiriam o papel dos heróis. “Mas hein? Que negócio era esse de mestre do jogo? E que história é essa que tem que ser narrada?” – eu estava pensando que, como todo jogo tabuleiro que se preze, seria todos contra todos e no final venceria o que acabasse com as peças do outro jogador. Mas passado esse primeiro estranhamento, continuei a ler o manual. E então fui percebendo que estava diante de um tipo de jogo completamente novo. Um tipo de jogo que algum tempo mais tarde eu descobriria o nome. Era uma sigla esquisita, que significava um termo mais esquisito ainda, um tal de RPG.

Ficamos tão encantados pelo jogo, que começamos a jogar e não queríamos parar mais. Tanto que quando chegou o momento dos meus amigos irem embora, implorei para a mãe deles pra deixarem eles dormirem em casa, e assim poderíamos continuar a jogar. E então ficamos a noite toda jogando e não paramos enquanto não terminamos as quatorze buscas que vinham junto com o jogo. Meus amigos jogando com os personagens, e eu jogando como mestre. Acho que nunca me diverti tanto na minha vida, como naquela noite, jogando Hero Quest ao lado dos meus amigos.

Algum tempo depois eu iria conhecer um outro jogo que certamente mudou a minha vida para sempre, o Dungeons & Dragons. E de lá pra cá, não parei mais de jogar RPG. GURPS, Vampiro, Lobisomen, ShadowRun, Paranóia, etc. Pode parecer exagero, mas o RPG definiu muito do que sou hoje em dia, como por exemplo, o meu gosto por contar histórias. Foi com o RPG que reforcei os laços que me ligam aos meus amigos de infância, e também foi com ele que conheci vários dos meus amigos atuais. E apesar de muitos rpgistas não considerarem o Hero Quest como RPG (e em essência ele não é mesmo), ao menos para mim, tudo começou com ele, naquele aniversário de onze anos.

Hoje em dia, infelizmente, eu não consigo mais jogar RPG tão freqüentemente como quando era mais jovem, em que jogávamos religiosamente toda semana. Mas aí fomos crescendo, começamos a trabalhar, alguns de nós se casaram, tiveram filhos, e as sessões de jogos deixaram de ser prioridade. Mas às vezes conseguimos coordenar nossas agendas para marcar um jogo, e voltarmos aos nossos personagens, que já nos acompanham desde nossa infância.

Mas uma coisa que tenho muita vontade de fazer é algum dia tentar reunir aqueles quatro que estavam naquela primeira partida de Hero Quest, para podermos jogar de novo, e assim, relembrarmos de uma época em que éramos crianças e não tínhamos preocupações e nem responsabilidades. Uma época em que apenas nos divertíamos e podíamos ser quem nós quiséssemos em nosso mundo de fantasias. Uma época em que éramos realmente felizes, e não nos dávamos conta disso.

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Por Cadu Simões

Alguém em busca da questão fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais.

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